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>> ALLAN KARDEC - REVISTA ESPíRITA, NOVEMBRO DE 1861
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O Espiritismo em Bordeaux
Autor: Allan Kardec - Revista Espírita, novembro de 1861
Se Lyon fez o que se poderia chamar o
seu pronunciamento em face do
Espiritismo, Bordeaux não ficou atrás,
porque quer também tomar um dos
primeiros lugares na grande família.
Pode-se julgar pelo relato que damos,
da visita que acabamos de fazer aos
espíritas dessa cidade, a seu convite.
Não foi em alguns anos, mas em alguns
meses, que a Doutrina ali tomou
proporções imponentes em todas as
classes sociais. Constatamos, logo de
início, um fato capital. É que lá,
como em Lyon e em muitas outras
cidades que visitamos, vimos a
Doutrina encarada do mais sério ponto
de vista e sob o das suas aplicações
morais. Ali, como alhures, vimos
inumeráveis transformações,
verdadeiras metamorfoses; caracteres
hoje irreconhecíveis; gente que em
nada cria, trazida às ideias
religiosas pela certeza do futuro,
para eles agora palpável. Isto dá a
medida do espírito que reina nas
reuniões espíritas, já muito
multiplicadas. Em todas as que
assistimos, vimos o mais edificante
recolhimento e um ar de mútua
benevolência entre os assistentes. As
pessoas se sentem num meio simpático,
que inspira confiança.
Os operários de Bordeaux nada ficam a
dever aos de Lyon. Ali se contam
numerosos e fervorosos adeptos, cujo
número aumenta todos os dias. Sentimo-
nos feliz em dizer que saímos de suas
reuniões, edificados pelo piedoso
sentimento que as preside, bem como
pelo tato com o qual sabem guardar-se
contra a intrusão dos Espíritos
enganadores. Um fato que constatamos
com satisfação é que homens, por vezes
em posição social eminente, se
misturam aos grupos plebeus com a mais
fraterna cordialidade, deixando os
títulos à porta, assim como simples
trabalhadores são acolhidos com igual
benevolência entre os grupos de uma
outra c lasse social. Por toda parte o
rico e o operário se apertam as mãos
cordialmente. Disseram-nos que essa
aproximação dos dois extremos da
escala social entrou nos hábitos da
região e nos felicitaram por isto. As
pessoas reconhecem que o Espiritismo
veio dar a esse estado de coisas uma
razão de ser e uma sanção moral,
mostrando em que consiste a verdadeira
fraternidade.
Encontramos em Bordeaux muito
numerosos e muito bons médiuns em
todas as classes, de ambos os sexos e
de todas as idades. Muitos escrevem
com grande facilidade e obtêm
comunicações de alto alcance, o que,
aliás, os Espíritos nos haviam
revelado antes de nossa partida. Não
se pode senão elogiá-los pelo
devotamento com que prestam seu
concurso nas reuniões. Mas o que é
ainda melhor é a abnegação de todo o
amor-próprio a respeito das
comunicações. Ninguém se julga
privilegiado e intérprete exclusivo da
verdade. Ninguém procura impor-se nem
impor os Espíritos que os assi stem.
Todos submetem com simplicidade o que
obtêm ao julgamento da assembleia, e
ninguém se ofende nem se fere com a
crítica. Aquele que recebe falsas
comunicações consola-se aproveitando
as boas que outros obtêm e dos quais
não têm ciúmes. Dá-se o mesmo em toda
parte? Ignoramos. Constatamos o que
vimos; constatamos, também, que se
compenetraram do princípio de que todo
médium orgulhoso, ciumento e
suscetível não pode ser assistido por
bons Espíritos e que nele tal capricho
é motivo de suspeita. Longe, pois, de
buscar tais médiuns, se são
encontrados, a despeito da eminência
de sua faculdade, eles seriam
repelidos por todos os grupos sérios,
que querem, antes de tudo, ter
comunicações sérias, e não visar os
efeitos.
Entre os médiuns que vimos, há uma que
merece menção especial. É uma jovem de
dezenove anos que à faculdade de
escrevente alia a de médium desenhista
e músico. Ela fez mecanicamente, sob o
ditado de um Espírito que disse ser
Mozart, a notação de um trecho de
música que não o desacreditaria. O
Espírito assinou a partitura, e várias
pessoas que viram os seus autógrafos
atestaram a perfeita identidade da
assinatura. Mas o trabalho mais belo
é, sem contradita, o desenho. É um
quadro planetário de quatro metros
quadrados de superfície, de um efeito
tão original e t&atild e;o singular
que nos seria impossível dar uma ideia
pela descrição. É trabalhado em creiom
preto, pastel de diversas cores e
esfuminho. O quadro, começado há
meses, ainda não está terminado. É
destinado pelo Espírito à Sociedade
Espírita de Paris. Vimos a médium à
obra e ficamos maravilhado, tanto com
a rapidez quanto com a precisão do
trabalho. Inicialmente, como treino, o
Espírito a fez traçar, com mão livre e
num único movimento, círculos e
espirais de quase um metro de diâmetro
e de tal regularidade, que se
encontrou perfeitamente exato o centro
geométrico. Nada podemos dizer ainda
do valor científico do quadro. Mas,
admitindo seja uma fantasia, não deixa
de ser, como trabalho mediúnico, coisa
bem notável. Como o original tinha de
ser enviado a Paris, o Espírito
aconselhou que o fotogra fassem, para
ter várias cópias.
Um fato que devemos mencionar é que o
pai da médium é pintor. Como artista,
acha que o Espírito contrariava as
regras da arte e pretendia dar
conselhos. Assim o Espírito o proibiu
de assistir ao trabalho, para que a
médium não lhe sofresse a influência.
Até há pouco tempo a médium não havia
lido nossas obras. O Espírito lhe
ditou, para nos ser entregue à nossa
chegada, que ainda não estava
anunciada, um pequeno tratado de
Espiritismo, com todos os pontos em
conformidade com o Livro dos
Espíritos.
Seria presunção enumerar os
testemunhos de simpatia que recebemos
e as atenções e delicadezas de que
fomos objeto. Certamente haveria com
que excitar o nosso orgulho, se não
tivéssemos pensado que era uma
homenagem prestada antes à Doutrina do
que à nossa pessoa. Pelo mesmo motivo
tínhamos hesitado em publicar alguns
discursos pronunciados e que realmente
nos deixam perplexos. Fazendo sentir
nossos escrúpulos a alguns amigos e a
vários membros da Sociedade, disseram-
nos que esses discursos eram um
indício da situação da Doutrina e que,
sob tal ponto de vista, era instrutivo
para todos os espíritas conhecê-lo s;
que, por outro lado, sendo as palavras
a expressão de um sentimento sincero,
os que as tinham pronunciado poderiam
sentir-se magoados, se por um excesso
de modéstia, nos abstivéssemos de
reproduzi-las. Poderiam ver nisto
indiferença de nossa parte. Sobretudo
esta última consideração nos
determinou. Esperamos que os leitores
nos julguem um espírita
suficientemente bom para não trair os
princípios que professamos, fazendo
deste relato uma questão de amor-
próprio.
Desde que transcrevemos esses diversos
discursos, não queremos omitir, como
traço característico, a pequena
alocução recitada com uma graça
encantadora e um ingênuo entusiasmo
por um pequenino de cinco anos e meio,
filho do Sr. Sabò, à nossa chegada ao
seio dessa família realmente
patriarcal, e sobre a qual o
Espiritismo derramou a mancheias suas
benfeitoras consolações. Se toda a
geração que se ergue estivesse imbuída
de tais sentimentos, seria permitido
entrever como muito próxima a mudança
que se deve operar nos costumes
sociais e que, de todos os lados, é
anunciada pelos Espíritos. N ão
penseis que aquela criança haja feito
a sua pequena saudação como um
papagaio. Não. Ele captou-lhe muito
bem o sentido. O Espiritismo, no qual
foi, por assim dizer, embalado, já é,
para a sua jovem inteligência, um
freio que ele compreende perfeitamente
e que sua razão, desenvolvendo-se, não
repelirá.
Eis o pequeno discurso do nosso
amiguinho Joseph Sabò, que ficaria
muito triste se não o visse publicado:
“Sr. Allan Kardec, permiti que a mais
jovem de vossas crianças espíritas
venha neste dia que ficará para sempre
gravado em nossos corações, exprimir-
vos a alegria causada por vossa vinda
ao nosso meio. Ainda estou na
infância, mas meu pai já me ensinou
que são os Espíritos que se manifestam
a nós; a docilidade com que devemos
seguir seus conselhos; as penas e
recompensas que lhes são atribuídas, e
daqui a alguns anos, se Deus assim o
permitir, também quero, sob vossos
auspícios, tornar-me um digno e
fervoroso apóstolo do Espiritismo,
sempre submisso ao vosso saber e à
vossa experiência. Em troca destas
poucas palavras, ditadas por meu
pequeno coração, conceder-me-eis um
beijo, que não ouso pedir?”
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